quarta-feira, 31 de março de 2010

O intervalo previsto no artigo 384, da CLT

Frequentemente se observa na Justiça do Trabalho uma grande quantidade de ações cujo objeto é o pedido de pagamento de horas extras pela não concessão por parte do empregador do intervalo intrajornada, seja com fundamento na norma do artigo 71, § 4º, da CLT, seja com fundamento na OJ/307/SDI-1/TST.
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Lado outro, raramente se observa a existência de ações cujo objeto seja o pedido de pagamento de horas extras pela inobservância do intervalo previsto na norma do artigo 384, da CLT. Tal norma possui a seguinte redação:
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Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.
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Antes de outras considerações é preciso destacar que tal norma somente se aplica às trabalhadoras eis que inserida no capítulo destinado à proteção do trabalho da mulher.
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Tal particularidade já é a primeira fonte de controvérsia sobre a validade de tal norma. Muitos doutrinadores defendem que tal norma estaria revogada tacitamente pela norma do artigo 5º, I, da CR/88, que prevê a igualdade entre homens e mulheres.
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O TST já enfrentou o tema. No julgamento do Recurso de Revista nº 1540-2005-046-12-00-5, originariamente distribuído para a 7ª Turma, em face da arguição de inconstitucionalidade do art. 384, da CLT, os autos foram remetidos ao Tribunal Pleno daquela egrégia corte e, por maioria de votos, foi declarada a constitucionalidade da referida norma. O ementa do acórdão foi então assim redigida:
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HORAS EXTRAS. INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DO LABOR EXTRAORDINÁRIO PREVISTO NO ARTIGO 384, DA CLT. DIREITO DO TRABALHO DA MULHER. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE PREVISTO NO ARTIGO 5º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Em razão da natureza jurídica eminentemente salarial das parcelas devidas a título de horas extraordinárias, não há como se sustentar a recepção do disposto no artigo 384 da CLT sem que se afronte o comando do artigo 7º, XXX, da Constituição Federal, segundo o qual proíbe-se a diferença de salários para o exercício de funções idênticas por motivo de sexo. Esse é o meu entendimento. Todavia, o Tribunal Pleno desta Corte, ao julgar o IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5, decidiu rejeitar o Incidente de Inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT , fundamentando, em resumo que ... levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT . Em sendo assim, apesar de posicionamento em sentido contrário, curvo-me a maioria e adoto o entendimento proferido pelo Tribunal Pleno que determinou a constitucionalidade do artigo 384 da CLT, que trata do intervalo de 15 minutos garantido às mulheres trabalhadoras que tenham que prestar horas extras. Por maioria de votos, o Tribunal Pleno decidiu que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres contido no artigo 5º, I, da Constituição Federal. Mantenho a decisão regional que deferiu o pagamento como extra e reflexos do intervalo previsto no artigo 384, da CLT. Recurso de revista conhecido e a que se nega provimento.
(RR 1540-2005-046-12-00-5, TST, 7ª Turma, Rel. Min. Caputo Bastos, j. 22.04.09, p. 04.05.09).
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O TRT da 3ª Região, em acórdão publicado recentemente, adotou o mesmo entendimento:
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PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER – INTERVALO INTRAJORNADA – APLICAÇÃO DO ART. 384 DA CLT - Em face do art. 5º, I da Constituição, é de se admitir como válidas todas as hipóteses de prorrogação da jornada de trabalho da mulher, em igualdade de condições com os homens. Além disso, os intervalos previstos na jornada de trabalho também serão os mesmos, como dispõem os artigos 71 e 72 da CLT, com duas únicas exceções: 1ª) o intervalo de quinze minutos, entre o término da jornada normal e o início da jornada extraordinária (CLT, art. 384); 2ª) dois intervalos de trinta minutos, durante a jornada normal, para amamentação do próprio filho, até a idade de seis meses, prorrogáveis quando exigir a saúde do menor (CLT, art. 396). Quanto à aplicação do art. 384 da CLT, trata-se de norma de saúde específica para mulher, de caráter público conforme disposto no art. 7º, inciso XXII da Constituição da República. Assim, ante o princípio da ponderação de interesses das normas constitucionais, prevalece o art. 7º, XXII da Carta Magna que não se incompatibiliza com o disposto no inciso I do art 5º Constituição. A necessidade do intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária deve prevalecer pelas mesmas razões com que se impõe ao trabalho da mulher a restrição do art. 390 da CLT.
(RO 00691-2009-107-03-00-4, TRT 3ª Região, 3ª Turma, Rel. Des. César Machado, j. 03.03.10, p. 15.03.10).
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Não obstante os argumentos contrários, creio que o tema já esteja consolidado na Justiça do Trabalho quanto à validade de tal norma.
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Assim, sob o foco do cálculo judicial, o tema possui desdobramentos interessantes. Senão vejamos.
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Por exemplo, em uma ação trabalhista na qual a trabalhadora postula o pagamento de uma hora extra diária, considerando também a inobservância do intervalo previsto no art. 384, da CLT, ao invés de 60 minutos extras/dia o pedido será de 75 minutos extras/dia. Isso representa um aumento de 25% na quantidade de horas extras, e consequentemente 25% no valor da condenação caso os pedidos sejam julgados procedentes. Assim, como na prática tal pedido é muito pouco frequente, acredito que tal fato decorra do desconhecimento da norma.
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Pelo exposto, creio que tal pedido pode e deve ser incluído em todos os casos onde a trabalhadora realize ou tenha realizado horas extras sem a observância do referido intervalo, o que poderá representar significativo incremento no valor da condenação.